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Por isso esse blog possui esse nome... Jigoku No Sora,
o Teto do Inferno

"Esse eu insensato, que tem tão pouca chance de salvação, é totalmente incapaz de resistir a desejos intensos e comprometimentos, a essa sucessão de dias e noites, inegavelmente reais, passada sob o constante tormento das ilusões monstruosas; isso é o inferno." - Hiroyuki Itsuki

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18 de abril de 2008

Vivendo o Nembutsu – Os Seis Paramitas e a Vida Moderna

Antes de mais nada gostaria de agradecer à Comunidade Honpa Hongwanji, da qual faço parte há 4 anos, pelo convite de estar aqui com vocês hoje e dividir um pouco de minha experiência como Budista convertido e brasileiro. Quando recebi o convite do Rev. Mário Kajiwara fiquei honrado com a oportunidade pois acredito que o futuro de nossa comunidade e do Budismo no Brasil está nas mãos de vocês aqui presentes hoje e fico lisonjeado em ser ouvido por todos aqui. Me pareceu uma ótima oportunidade de trocarmos experiência entre uma pessoa de origem italiana que se converteu ao Budismo e segue uma linhagem japonesa. Ok! Ok! Pode parecer o “samba do bosatsu doido”, mas esta situação adiciona itens à minha vida bastante interessantes para podemos falar sobre um Budismo mais adaptado às situações cotidianas, uma vez que também sou casado, tenho duas filhas, uma de 9 e outra de 5 anos, e pretendo, um dia, me ordenar monge em nossa Ordem.

Em minha saga para estabelecer sobre o que iria falar com vocês lembrei-me que poderia transmitir aqui um pouco de minha experiência nestes quase 25 anos de estudos e buscas, porém também lembrei-me que Buda Shakyamuni nos transmitiu muitos ensinamentos, 84.000 dizem alguns, e um muito importante e que tem me norteado por muito tempo são os Seis Paramitas ou as Seis Perfeições, ensinamento referenciado sempre por vários mestres budistas, incluindo nosso fundador, Shinran Shonin e é tema de uma das comemorações mais importantes de nosso calendário, O-Higan. Então vamos tentar conectar tudo isso, começando pelo começo.

Deixem-me contar um pouco de minha saga pessoal na tentativa de atravessar para a outra margem, nesses praticamente 27 anos de estudos e dúvidas, muitas dúvidas, sobre o Budismo. Nasci numa família católica pouco praticante, há 35 anos, mas desde cedo sempre me intriguei com assuntos metafísicos e também senti uma grande atração por assuntos orientais tanto a cultura como religião. Tendo crescido num ambiente católico, com 13 anos fui fazer um retiro cristão e comecei a freqüentar uma comunidade de jovens e a estudar religião em reuniões semanais. Nesta época as dúvidas floresceram de maneira contundente e comecei a analisar os aspectos do Catolicismo por uma via mais concreta e menos dogmática. Neste mesmo período comprei um livro quase que por acaso numa livraria já fechada em São Paulo. Tal livro chama-se “Introdução ao Zen Budismo” do Dr. Suzuki que depois vim a descobrir que foi o primeiro livro de muitos budistas brasileiros e americanos. Não se bem quanto aos outros, mas eu não entendi nada do livro naquela época e mesmo hoje ainda não compreendo muito, podem ter certeza.

Mas uma das poucas partes que entendi explicava sobre a condição humana presa num ciclo incessante de renascimentos, direcionado pelos resultados das ações de cada pessoa e como esses resultados poderiam afetar a vida do indivíduo e de todo os sistema social e natural que o cerca. Este foi meu ponto de partida na tentativa de encontrar respostas para minhas fortes indagações metafísicas e espirituais. Nesta fase da minha vida e mesmo na atual, a história de vida de Buda Shakyamuni sempre foi uma referência para mim, pois ele foi um jovem, um adolescente, assoberbado de dúvidas e durante toda sua juventude e parte de sua via adulta procurou respostas em todos os cantos. Creio que esta parte inicial da vida de Buda não foi muito diferente da minha ou da de vocês... a não ser pelos 3 palácios magníficos que ele tinha!!!

A partir deste livro comecei a estudar mais e mais e comecei a praticar também num templo tibetano da escola Nyingma em São Paulo, depois indo para um templo Ch´an, no qual comecei a ensinar o Dharma para pessoas iniciantes que nos buscavam. Foi nesta época que entrei em contato com a doutrina da Terra Pura primeiro chinesa e depois japonesa, o que me convenceu ser uma doutrina aplicável a qualquer estilo de vida e a qualquer idade, não havendo limitadores de lugar, tempo ou condição social para que se possa praticar, afinal de contas para recitar o Nembutsu somente precisamos conhecer as sílabas, pois mesmo um mudo ou um cego podem assim fazê-lo. Diante de um conhecimento um pouco maior desta doutrina, me convenci que era uma doutrina definitiva, coerente e altamente fácil de ser transmitida, embora, para as mentes ocidentais, algumas vezes difícil de ser compreendida por causa da mente cristã que permeia a sociedade ocidental.

Neste meio tempo, me casei com uma pessoa que conheci naquela comunidade cristã e tenho hoje duas filhas. Todas, incluindo minha esposa, budistas. Creio que somos uma das primeiras famílias budistas brasileiras de pais convertidos, com filhos que nasceram budistas e isso nos dá uma responsabilidade dobrada pois temos a obrigação de passarmos para nossas filhas as bases da religião de nossa família, desde os conceitos, as práticas e principalmente a ética.

Neste período como budista, pude verificar que muitas perguntas são recorrentes indagadas por brasileiros e até mesmo por integrantes das comunidades orientais. Acho que a campeã é a famosa “como posso ser budista e aplicar os conceitos desta religião na minha vida diária?” e outra muito importante é “como podemos transmitir o Dharma para um jovem ou uma criança?”. São perguntas que necessitam de dois lados para serem respondidos: um deles é o que os professores, monges e Comunidade podem proporcionar e outra é o que as pessoas estão dispostas ou vêem valiosos para suas vidas. É sempre bom lembrar que o Budismo nunca teve um caráter proselitista no mundo, ou seja, nunca foi atrás de adeptos, nem fica no farol pregando, competindo com malabaristas mirins.

Acho também que a primeira parte precisa ser comunicada sobre como a segunda quer ser abordada e que tipo e como querem receber mensagens sobre o Budismo. Poderia dizer também “Se quiserem receber”, mas acho que várias dezenas de jovens dos quais vários viajaram mais de 500 quilômetros para estar aqui, devem estar alguma coisa interessados no Congresso e sobre o que temos a dizer, do que simplesmente a integração e descontração que o evento pode proporcionar. Assim, convoco a todos para um diálogo franco com as lideranças de nossas comunidades para que possamos alinhar as expectativas de vocês com as capacidades atuais e futuras do Hongwanji no Brasil.
No que tange a segunda parte, ou seja, vocês, jovens do Hongwanji gostaria de lembrá-los de uma boa parábola japonesa: “A Rã que vive no poço”.

Havia uma rã que vivia num poço, próximo ao oceano que ali havia nascido e dali nunca tinha saído pois não conseguia saltar tão alto. Mesmo porque ela desconhecia o mundo ao redor do poço pois, como nunca o havia visto, para ela não havia nada além das paredes de pedra de seu poço. Desta forma, ela ignorava o imenso oceano ao seu redor e que dele somente ouvia o seu som, ignorando por completo o que realmente era. Ela não só ignorava o oceano, ou seja, a condição do mundo onde vivia, mas também ignorava sua própria condição de “rã presa no poço” e para descobrir que vivia num poço e que havia um oceano a poucos metros ela teria que sair dali.

Mas um dia uma garça começou a sobrevoar o poço e viu a pequenina rã ali a coaxar (rã coaxa?) . Pousou na borda do poço e perguntou a rã porque ela vivia num poço, tendo um oceano tão grande a seu dispor do lado de fora. Surpresa com a pergunta do pássaro, ela reagiu confusa dizendo que o pássaro de nada sabia e que o poço era seu mundo seguro e confortável e que nada poderia existir além dele.

Diante da reação da rã, a garça voa para longe, deixando-a. Depois de algum tempo, a rã reflete sobre o que a garça disse e começa a questionar se realmente não haveria um mundo além das paredes de pedra do poço e que talvez esteja equivocado e que a história daquele pássaro poderia ter algum fundamento. Na outra vez que o pássaro por lá sobrevoou, a rã o chamou e desculpando-se pela atitude na vez anterior pediu que a garça a levasse para um passeio em suas costas. A garça, muito prestativa, concorda com o pedido, colocando a pequena rã em suas costas e alçou vôo. A certa altura a rãzinha olha para baixo e vê seu pequeno poço, essa compreende quem era, onde morava e que havia um oceano imenso e desconhecido ao lado de sua casa que nunca havia visto. Ou seja, a pequena rã experimentou duas realizações simultâneas, quem era e onde estava inserida, dissipando suas dúvidas existenciais. Ela vê como era pequeno seu poço e como era imenso o oceano, alguns autores dizem que esta parábola demonstra a condição humana antes de ter contato com o Budismo.

As pessoas se vêem como entes isolados do mundo achando que suas atitudes se encerram em si próprios e desconhecem suas condições, seus poços onde vivem e também desconhecem o oceano ali ao lado, ou seja a grande sabedoria búdica que está ao nosso dispor.

Me espelho muito nesta rã e creio que muitos de vocês também, pois antes de termos um mínimo contato com o Dharma, estamos na mesma condição do poço e basta que uma pequena fagulha nos atinja para que uma interminável lista de dúvidas se forme sobre nosso poço e sobre a possibilidade de haver um oceano nos rodeando.

Mas onde podemos encontrar uma garça para com a qual possamos alçar vôo? Eu vejo que temos muitas garças ao nosso redor, embora tenhamos o péssimo hábito de enxotar esses pássaros de nossas vidas. As primeiras garças que vejo em nossas vidas são nossos pais. Vocês já perceberam a quantidade de conselhos que eles nos dão e nós ignoramos e muito tempo depois descobrimos que eles tinham razão? Tá bom, tá bom, alguns não, mas a maioria sim. Pelo menos tenho certeza que aqueles relacionados com o Dharma são certos e diretos. Mas nós enxotamos eles, não? “Sai do meu quarto que você não sabe nada!”; “Os tempos mudaram”; ou ainda, creio que a mais freqüente desde o meu tempo: “Não enche o saco, pô!”.

Mas por mais velhos e antiquados que nossos pais possam ser o Budismo, o Nembutsu, a Terra Pura são atemporais, podemos falar deles por anos e anos e sempre serão atuais. O que talvez tenhamos que moldar é a maneira como fazemos isso. Os exemplos a serem usados, a forma de se falar deve se moldar mas sofrimento será sofrimento e karma será karma até o fim dos tempos.

E continuando a falar em garça, digo que as outras que temos são os “bons companheiros”, ou seja, os monges e professores de Dharma que cruzam nossas vidas e a quem também pouco ouvimos, só não os mandamos não encher o saco, mas até acho que alguns pensam assim. Mas são das bocas dessas pessoas que o Dharma flui e que podemos, muitas vezes entrar em contato com mecanismos para compreender nossa verdadeira condição humana e do nosso mundo ao redor. Cometemos o erro de achar que os monges nos darão respostas prontas e imediatas para nossas inquietações. E nos comportando como rãs que enxotam as garças, ignoramos suas palavras e seus conselhos.

Então para podemos alinhar nossas expectativas com as capacidades de aprendizado que nos são oferecidas temos que aceitar nossas condições ranárias e iniciarmos nossa saída do poço e isso significa, no mínimo, um pouco de confiança mútua. Costumo pautar, ou pelo menos tento, minhas ações por alguns itens simples ensinados por Buda e realçados por vários mestres budistas. Esse é um ponto para começarmos a falar sobre Budismo em nossas vidas e como encaixa-lo seria analisarmos as Seis Perfeições que nos foram ensinadas por Buda como uma maneira de se viver o Budismo em nossas vidas. São elas a generosidade (Dana), a ética (Shila), a paciência, que eu preciso aprender a ter (Kshanti), o esforço (Virya), a concentração (Dhyana) e a sabedoria (Prajna). Esses paramitas ou Perfeições ou higan, em japonês são os meios pelos quais o Buda nos guia da margem mundana do mundo para a outra margem da Terra Pura. Este conceito de transposição de margens deu origem ao O-Higan cerimônia na qual expressamos nossa gratidão por termos sido despertados pela Sabedoria e Compaixão Infinita de Buda Amida, tal como a rã foi desperta pela garça.

Das Seis Perfeições acho que o mundo e principalmente nosso país recentemente carece de “Shila”, ética, para que nossas ações sejam carregadas de alinhamento moral e possam ser direcionadas segundos princípios de Prajna, ou seja, sabedoria, a Sabedoria Infinita de Buda. Agindo com ética já é um grande passo para vivermos o Budismo em nossas vidas pois a ética garante que nossa ações sejam retas. Se a cada vez que temos que tomar uma ação seja em relação aos amigos, família, escola... que seja embasado nas ética que Buda nos apresenta e é resumida pelos outros paramitas, paciência, concentração, esforço, generosidade e sabedoria.
A paciência nos ajuda a pensar mais antes de agir, a avaliar a situação usando a sabedoria, para entendermos a situação presente e futura e as conseqüências dos resultados daquilo que pensamos e executamos.

Em termos de sabedoria, esta se mostra indispensável para vivermos de forma ética e serena; é a partir da Sabedoria Infinita de Amida que recebemos a Luz do Outro Poder que nos impele para a outra margem, então é através dela que pautamos as análises da vida e a compreensão da nossa condição humana. A aquisição da sabedoria está mais associada a ouvir o Dharma e verificar a transformação que esta atitude nos traz do que a sabedoria gramática, aquela contida em livros. A Sabedoria Infinita de Buda Amida é vivência, não teoria; é realização e não pesquisa; é despertar e não dormir; e é desta forma que vamos atravessando o oceano de nossas vidas. Se aceitarmo-nos como somos e como estamos inseridos no mundo, entendendo que a cada atitude nossa afetamos o mundo, estaremos utilizando nossa sabedoria.

A generosidade é um exercício de altruísmo, mas não necessariamente uma doação material, mas uma doação moral e ética. Um posicionamento livre de troca e julgamento. Confundimos muito generosidade com esmolas e não há coisa mais antagônica. Generosidade está relacionado com compaixão, com eliminação do ego individual e permeia nosso modo de vida. Ser generoso é ser amigo na última concepção da palavra, é ser filho, irmão, sem pedir algo em troca. Eu sei, agora muitos estão pensando: “Ah! É muito fácil falar!”. Mas se não começarmos em algum lugar com algum esforço (Virya) que é um outro paramita, jamais poderemos viver no Nembutsu, porque nosso esforço próprio, nosso Próprio Poder, deverá ser suplantado pelo Outro Poder, o Poder de Amida. O esforço é um esforço puro, sem julgamento e expectativa de troca. É o vôo da rã, é a vontade sair do poço e tirar as dúvidas, pois essas dúvidas que nos surgem são dissipadas quando nos sentimos compelidos a voar nas costas das garças. Esse esforço de voar, essa vontade é a manifestação do Outro Poder.

A concentração nos dá a virtude de focar para compreender, focar para transformar. Quando ouvimos o Dharma e nos concentramos nas palavras daqueles que nos falam e permitimos que tais palavras destruam preconceitos e conceitos errôneos, tal concentração está contribuindo para nossa sabedoria e ao desenvolvimento de nossa ética também. A concentração é desenvolvida de formas diferentes em várias escolas budistas. No Jodo Shinshu, nossa concentração é focada na contemplação do Dharma, dos Sutras, Gathas e as cartas de nossos mestres, pois é através deles que poderemos experenciar a transformação necessária para atingirmos a outra margem, embalados pelo barco da Compaixão Infinita de Amida.

Depois desse pequeno passeio pelos paramitas, voltamos ao primeiro que descrevi que é justamente a ética. Uma juventude ética vai gerar um futuro brilhante para nossa sociedade. Pode parecer piegas, mas olhem para situação político-social de nosso país. Ela foi gerada por condições que uma juventude gerou um dia, no passado. Isso que vemos é uma conseqüência natural de ações errôneas do passado e como sabemos não podemos mudar as conseqüências, os efeitos, temos que alterar as causas e condições. Se somos impelidos a agir com essas Perfeições, mesmo que num contexto diminuto, já estamos contribuindo para uma situação melhor para nossa sociedade e país. Não nos basta cobrar, a execução é ponto crucial para a transformação. E executar é agir e para agir temos que o fazer com no mínimo sabedoria e ética para que o efeito seja benéfico e duradouro.

Para mim recitar o Nembutsu é um agradecimento por ser um rã (e das grandes no meu caso!) e uma certeza que estou voando e que consegui ver o Oceano. Acho que tive várias garças em minha vida e tendo a ver todas as pessoas e situações que me cercam como garças, nas quais pegarei carona várias vezes. É certo que o cantinho do poço é mais gostoso e confortável, mas afinal andamos centenas de quilômetros para estar aqui e isso também já é um baita esforço, que com certeza nos foi impelido por uma Sabedoria além de nossas vontades egóicas. Sendo assim só me resta juntar as mãos e recitar... Namo Amida Butsu! Namo Amida Butsu! Namo Amida Butsu!


(por Mauricio Ghigonetto – Shaku Hondaku – 39o. Congresso Sul-Americano de Jovens Budistas – Araçatuba, SP)

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