A princípio pode parecer estranho um "budista militante" como eu, declarar isso, mas é fato que há muito anos tinha curiosidade de participar desta celebração. Sempre gostei de estudar religiões e a judaica me chama muito a atenção pela quantidade de simbolismos e algumas fortes semelhanças com o Budismo.
Neste ano uma amiga nos convidou para a festa. Nada mais que a festa mais familiar que o judaísmo comemora e uma das mais fortes em sua tradição por justamente recontar em uma noite a afirmação definitiva do "povo de Israel" como unidade, como uma tribo e futuramente um país.
Durante a celebração, que é especialmente ajustada para que as crianças participem e entendam suas origens, as várias passagens citadas na Torah sobre a saída dos judeus do Egito é narrada e representada pelas comidas servidas.
Por ter sido o único homem adulto na celebração caseira, ficou a meu cargo a condução da cerimônia, como dita a tradição hebraica, o que fiz com orgulho e posso dizer que em muitos momentos, com os olhos cheios d'água e a voz embargada. Seguir o simbolismo dos alimentos, a narração dos acontecimentos, a pequena aula de Torah que se prepara para as crianças e por fim o convite à vida e à liberdade que se encerra foi um momento que ficará marcado em todos.
O que mais me tocou é que o judaísmo é muito mais que uma simples religião, é algo de DNA que está no sangue daqueles que o seguem e ao mesmo tempo, uma religião tradicional que preza pelo respeito e pela compaixão.
O simbolismo nos remete ao simbolismo do Budismo, onde cada objeto e posição do mesmo tem um sginificado, bem como as cores e os alimentos. Símbolos este que sempre fazem nos lembrar da condição humana, dos sofrimentos, das alegrias, da superação dos obstáculos, da purificação do mundano para o metafísico.
No fim, entendi cada vez mais a frase de Sua Santidade, o Dalai Lama: "O mundo não precisa de mais budistas, precisa de mais Budas, venham da religião que for!" e acho que essa é a essência dos verdadeiros budistas: não vilipendiar as doutrinas alheias e buscar a união e a paz entre todas elas.
Desta forma, cada vez mais quando vejo alguém dizendo que é "dono do Verdadeiro Budismo" e tenta denegrir tradições seculares do Budismo com ensejos financeiros e espúrios, ou mesmo, criticar as demais religiões tradicionais de maneira proselitista para angariar adeptos financistas para sua causa brancaleônica, a vontade que tenho é de simplesmente contemplar a ação e esperar o karma agir, porque a volta dessas ações, no meu ver, serão arrasadoras.
Assim, amigos budistas e não-budistas deixo com vcs algumas palavras do monge Rennyo Shonin em sua Epístola 14 chamada de "Não Vilipendiar as Doutrinas Alheias" que embora tenha sido escrita falando das diversas escolas Budistas de sua época, pode e deve ser ampliada para as demais religiões. E quando tiverem chance, conheçam outras tradições religiosas, cada uma delas tem seus Budas. Namo Amida Butsu!
Em suma, entre os praticantes do Nenbutsu de nossa Escola, há que não vilipendiar as doutrinas alheias. Em primeiro lugar, considerando as Províncias de Etchû e Kaga, temos Shirayama, Tateyama e outros tantos templos nas montanhas. Já em Echizen, temos os Templos Heizen, Toyowara e outros. Assim, já no Grande Sutra da Vida Imensurável existe uma advertência contra isso: São excluídos apenas os culpados das Cinco Faltas Capitais (1) e aqueles que vilipendiam o Correto Dharma. Isso nos revela que os praticantes do Nenbutsu não devem vilipendiar as demais doutrinas. Além disso, também os sábios das diferentes escolas do Caminho dos Ascetas advertem que de maneira alguma se deve vilipendiar os praticantes do Nenbutsu. São muitas as provas textuais encontradas nos Sutras e nos Comentários. Temos, em primeiro lugar, a severa advertência que o Bodhisattva Nagarjuna, Patriarca das Oito Escolas (2), nos faz no Tratado da Grande Perfeição da Sabedoria. Assim diz o texto: Mesmo o praticante que observa os Preceitos não escapará das penas infernais se, por amor a seu próprio Dharma, vilipendiar as doutrinas alheias. Tais determinações tão claras se fundamentam no fato de que todas as doutrinas foram pregadas pelo Buda. Não vamos incorrer no erro de vilipendiá-las. Todas são escolas válidas, o que ocorre é que apenas não recorremos a elas. É, pois, extremamente lamentável que, em nossa linhagem, pessoas sem discernimento aviltem as demais escolas. Os monges líderes de templos que incorram nessa falta, certamente deverão ser punidos. Salve! Salve!
9º mês do 5º ano da Era Bunmei (1473)
Epístolas de Rennyo, I, 14
Epístolas de Rennyo, I, 14
[1] As chamadas Cinco Faltas Capitais são as seguintes: 1 - matar o pai; 2 – matar a mãe; 3 – matar um Mestre; 4 – perturbar a harmonia da Comunidade Budista; 5 – derramar o sangue de um Buddha.
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