Ontem reiniciamos as atividades de nosso grupo de estudos aqui em São Paulo, no velho estilo do Terra Pura: grupos de estudos domiciliares, nos reunindo na casa de um em um dia, ora na casa de outro. Isso nos remonta à época pós-Shinran quando essa prática era corriqueira nas aldeias japonesas e terminaram por sediar os templos que lá se encontram. A criação desses templos se deu justamente porque o número de pessoas que iam às casas aumentava com o passar do tempo e um local maior se fazia necessário, então se construiam casas dedicadas à audição do Dharma que mais tarde se tornaram os templos.
Durante nossa conversa de ontem estávamos estudando o livro Tariki do cineasta japonês Hiroyuki Itsuki, quando me deparei com uma passagem:
"No Japão, as pessoas costumam se referir ao paraíso da Terra Pura levando à crença de que o paraíso e a Terra Pura são a mesma coisa, mas não creio que esse seja o caso.
A Terra Pura não é um paraíso. Ou, antes, paraíso e inferno - o seu oposto - referem-se a este mundo em que passamos nossas vidas cotidianas. Em Tannisho (Tratado das Lamentações das Divergências), Shiran proferiu a famosa frase O inferno é inevitável (jigoku wa ichijo). Muitos vêem nessas palavras a afirmação de que, quando morremos, estamos todos, sem excessão, destinados ao inferno, mas prefiro não interpretá-la assim.
Interpreto inevitável, ou ichijo, como agora, a realidade que está inevitavelmente aqui, diante de nós. Não tenho medo de ir para o inferno após a morte, porque já estive lá. Um eu impulsionado por desejos, um eu que causa danos ao planeta e às outras pessoas, que diz sempre mentiras e está profundamente atado a todos os tipos de interesses temerários, é algo que todos nós temos em comum.
Esse eu insensato, que tem tão pouca chance de salvação, é totalmente incapaz de resistir a desejos intensos e comprometimentos, a essa sucessão de dias e noites, inegavelmente reais, passada sob o constante tormento das ilusões monstruosas; isso é o inferno.
Com nossas ansiedades quanto à morte e doença, com nossos eus discriminadores, com a dor de sermos discriminados, com nossa raiva e cobiça violentas, somos todos residentes do inferno.
Mas, segundo Shinran, a religião é um raio de luz que ilumina o inferno. A fé religiosa existe para socorrer o espírito sofredor. É por isso que todos os que vivem no inferno terminam voltando à Terra Pura. Em nossas vidas cotidianas, há momentos em que conseguimos acreditar nisso. Isso é o paraíso. Mas o paraíso quase nunca dura muito tempo. Em um instante, a alegria do paraíso passa e os picos recortados do inferno voltam a assomar à nossa frente.
A vida é um constante ir e vir entre esses dois estados, inferno e paraíso.
Nascer na Terra Pura significa aceitar a grande história da vida. Não importa que tipo de vida você tenha levado. Após a morte todos nós voltamos, como gotas d'água, ao grande rio e, finalmente, subimos aos céus."
Gostaria que vocês relessem com calma, palavra por palavra a seguinte frase que é de uma realidade contundente e tem o poder de um mata-leão:
Um eu impulsionado por desejos, um eu que causa danos ao planeta e às outras pessoas, que diz sempre mentiras e está profundamente atado a todos os tipos de interesses temerários, é algo que todos nós temos em comum.
Alguém tem alguma dúvida disso? Alguém conseguiria contestar Itsuki nessa colocação? A priori sinto o calor dessas palavras atingirem meu estômago como um chute de um lutador de vale-tudo, só para depois abaixar a cabeça e pensar: isso é a mais pura verdade... Contudo não sinto pena de ser assim e de ver que todos ao meu redor são assim, isso seria desesperador se não confiasse no Outro Poder, no Tariki. Se não, olhasse para meu redor e pensasse: está tudo certo, está tudo certo. Não é sempre assim, pois como disse Itsuki, o inferno é constante e essa sensação é o paraíso. Mas mesmo quando vivenciamos o paraíso, por pouco tempo que seja, por segundos, sentimos a mão de Buda Amida sob nossa cabeça, sentimos aquela sensação de êxtase momentâneo, a sensação de colocar um pé na Terra Pura, a sensação do Shinjin, da Mente Confiante, da Mente Búdica, a sensação de que tudo que aprendemos desde Buda Shakyamuni é realmente verdade e está disponível para todos, sem distinção.
É a sensação da rendição incondicional à nossa total insignificância, à nossa interdepêndencia, ao nosso karma. É a sensação que nos leva a levantar o braços e dizer eu me rendo, me rendo, porque está tudo bem. É a sensação de olhar em volta e dizer: Namo Amida Butsu, Namo Amida Butsu, Namo Amida Butsu.
é o bom e velho Mauricio de volta....rs
ResponderExcluirdesculpe a sinceridade, penso que esse ai ajuda mais qdo o lemos...independente de nossas opiniões e as leituras que fazemos do nosso entorno e que nem sempre batem, total
e irrestritamente, e que bom que assim o seja,
senão não seriamos o que somos, nós próprios,
vou continuar a le-lo.
vou voltar a noite para reler...agora ao trabalho.
ana