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Por isso esse blog possui esse nome... Jigoku No Sora,
o Teto do Inferno

"Esse eu insensato, que tem tão pouca chance de salvação, é totalmente incapaz de resistir a desejos intensos e comprometimentos, a essa sucessão de dias e noites, inegavelmente reais, passada sob o constante tormento das ilusões monstruosas; isso é o inferno." - Hiroyuki Itsuki

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17 de abril de 2008

Resposta ao filósofo Slavoj Zizek

Amigos, abro meu blog para publicar carta de resposta de um monge conhecido meu, ao editorial da Revista MAIS escrito pelo dito filósofo Slavoj Zizek, contestando a posição dos tibetanos em relação à invasão chinesa. Tal editorial é uma peça de "ficção científica" que se não peca pela orientação puramente política , peca pela falta de conhecimento histórico e evidencias comprobatórias:

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Prezados editores do "Mais":


Tive a oportunidade de ler a matéria de título "O Tibete não é tudo isso" de autoria do Sr.Slavoj Zizek e gostaria de tecer alguns comentários críticos em relação aos 9 pontos levantados pelo autor:

1-O primeiro ponto consiste na alegação de que a relação entre a China e o Tibet é longa e complexa e que é problemática a asserção de que o Tibete era um país independente em 1949 quando foi invadido pela China. Acho importante ressaltar que "China" é um termo muito vago no que diz respeito à unidade política desse país. Na crônica histórica chinesa geralmente se emprega o nome de cada dinastia para designar a unidade política. Acho no mínimo problemático afirmar que o Tibete tenha estado sujeito ao poder protetor da China durante alguma das Dinastias nacionais, mas me parece bem mais fácil e mais concreto apontar para a relação entre esses dois estados nas três últimas Dinastias ( Yuan, Ming e Shin ) e na época da república chinesa. Na dinastia Yuan ,China e Tibet fazem parte de uma mesma formação política, mas a própria China nada mais é nessa época do que uma parte do Império Mongol. Se a atual República popular da China quizer reclamar como integrante de seu território toda a extensão territorial do Império Mongol ela teria que reclamar a Hungria e a Ucrânia como parte de seu território. Na Dinastia Ming são expulsos os Mongóis e consequentemente à sua expulsão o território chinês mingua considerávelmente. Não conheço nenhum historiador responsável que afirme que o Tibete fazia parte do território chinês durante essa Dinastia. No que diz respeito à última Dinastia, a Dinastia Shin é polêmico que o Tibete fizesse parte do território dessa Dinastia, mas o problema central não é esse: mesmo que o Tibete tivesse se tornado parte do território dessa Dinastia ela era da mesma forma que o Império Mongol uma unidade política capaz de abarcar a China e o Tibete em seu interior. A Dinastia Shin era uma unidade política completamente distinta da atual República popular da China e sua relação com o Tibete em nada legitima o direito de posse territorial do Tibete por parte desta última. O exemplo dado por Zizek a respeito da origem do termo Dalai Lama é particularmente infeliz: esse título se origina em uma relação contratual entre o Tibete e a Mongólia e não entre o Tibete e a China. Para terminar, existem várias avaliações a respeito da relação entre o Tibete e a república chinesa iniciada em 1911mas não conheço nenhum historiador responsável que reconheça que o tibete fazia parte do território chinês nesse período. Assim sendo, a invasão do Tibete pela China em 1949 assume um caráter nítidamente imperialista e os argumentos apresentados por Zizek se revelam como a expressão de uma ignorância e obscurantismo verdadeiramente inacreditáveis. Semelhante ignorância e obscurantismo não condizem com o ofício de um filósofo.


2- O segundo ponto levantado por Zizek diz respeito ao feudalismo rígido e à ausência de desenvolvimento econõmico no Tibete anterior à invasão chinesa.
Acho estranho que se tente superar esses problemas através de uma ocupação imperialista, mas se impõe aí a seguinte questão: a quem esse desenvolvimento econõmico tem beneficiado? Ao que parece não foi ao povo tibetano.

3- O argumento seguinte consiste em que a destruição dos mosteiros tibetanos não foi um efeito importado pela revolução cultural na medida em que só estavam estacionados 100 guardas vermelhos no Tibete da época e que as destruições foram desenvolvidas pelos próprios tibetanos. Acho duvidosos esses dados históricos e gostaria de solicitar provas de sua veracidade, mas essa não é a questão decisiva. O que importa é que tendo sido essas destruições orquestradas pela ideologia e pela liderança política do governo de Beijing ele não tem como se eximir da responsabilidade por esse processo de destruição cultural e religiosa. Trata-se de outro argumento inacreditável para alguém que pretende representar a filosofia.

4-O quarto argumento tenta racionalizar a invasão chinesa do Tibete em função da presença de agitadores da Cia que buscavam desestabilizar essa região.
Dizer isso é a mesma coisa que justificar a antiga invasão do Afganistão pela Urss. ( existe aí um dado curioso: Tibete e Afganistão possuem um destino comum como objetos da disputa territorial das nações imperialistas )

5- O quinto argumento diz respeito à violência dos protestos. Além de silenciar a respeito da brutal repressão policial voltada para esses protestos evita discutir a complexidade da avaliação contextual e a existência de forças políticas envolvidas que possuem orientação completamente distinta dos Monges budistas e do Dalai Lama. A comparação completamente infeliz com a situação palestina evidencia a meu ver um viés claramente fascista na abordagem de Zizek.


6-Aparece em seguida a alegação de que a China tem investido econõmicamente no Tibete e que esses investimentos tem proporcionado ao´povo tibetano um padrão de vida de que ele nunca gozou em toda sua história. É curioso que ele silencia a respeito da política de transferência de populações e dos privilégios econômicos e sociais que essas populações gozam em relação à população tibetana. Semelhante visão aponta para uma concepção vulgarmente desenvolvimentista, visão essa que parece se constituir no único fundamento das infelizes afirmações de Zizek.

7- O argumento seguinte diz respeito em parte ao abrandamento da repressão física à religião e ao fato parcialmente verdadeiro de que os chineses aprenderam que o capitalismo sem freios é muito mais eficaz que a violência física quando se trata de enfraquecer as relações sociais tradicionais. Zizek confirma essa visão afirmando que em uma ou duas décadas os tibetanos estarão reduzidos a uma minoria semelhante aos índios Norte-Americanos.
Semelhante afirmação implica a meu ver em uma apologia do genocídio cultural orquestrado pelo desenvolvimentismo e pelo capitalismo selvagem.
Tudo isso me parece uma grotesca justificação do genocídio de minorias através da categoria criminosa da inevitabilidade histórica do capitalismo sem freios. Pretendo que a função de um filósofo consiste em criticar radicalmente semelhante visão e em apontar caminhos para sua superação. Zizek parece ter capitulado diante da ideologia neo-liberal e abdicado de seu papel de filósofo.

8- Vem em seguida a visão extremamente preconceituosa de que a motivação da solidariedade ocidental ao Tibete deriva da ideologia "New Age" veiculada pelo Budismo do Dalai Lama. Sendo eu mesmo budista e essencialmente crítico da ideologia do "New Age" sinto-me obrigado a protestar enérgicamente contra uma asserção tão profundamente marcada pelo preconceito e pela ignorância. Mesmo no Brasil as lideranças budistas que lideram o movimento de solidariadade ao Tibete são essencialmente críticas à ideologia do "New Age". Zizek chega ao absurdo de expressar o temor de que essa "ideologia budista do new age" esteja se transformando na ideologia dominante do mundo capitalista globalizado, afirmação essa que além de ser uma verdadeira expressão de ignorância e obscurantismo traz em sí fortes implicações xenófobas e etnocêntricas.


9- O último argumento é o mais sério de todos e me parece expressar o ponto central da visão de Zizek. Ele aponta para uma possível contradição entre o desenvolvimento econômico e a democracia e desenvolve uma verdadeira apologia da eficácia dos regimes autoritários no processo de desenvolvimento econômico. Semelhante visão é um insulto para quem viveu sob as ditaduras militares desenvolvimentistas no Brasil e em outros países da América latina.
E isso aponta para o caráter medíocre da visão marxista de Zizek. Ele ainda parece acreditar no mito de que o crescimento das forças produtivas conduz à desagregação das relações de produção capitalista. Semelhante visão é virtualmente idêntica à visão do Partido comunista Chinês que resume sua atual tarefa como sendo o "desenvolvimento das forças produtivas". Lembro-me de ter assistido na televisão a um discurso do ditador norte-americano George W.Bush que justificava a entrada do mercado norte-americano no Iraque sob o pretexto da necessidade de superar a miséria. A retórica de Zizek não difere em nada a meu ver da visão dos ditadores chinese e norte-americanos.
Para concluir, gostaria de dizer que é precisamente essa crença fatalista na inevitabilidade do crescimento econõmico capitalista e quantitativo, essa superstição que acredita existir alguma relação entre semelhante desenvolvimento e a superação da miséria das massas que se constituiu no verdadeiro monstro do século XX, monstro esse responsável por todas as guerras e genocídios que pudemos testemunhar nesse terrível e doloroso século. A superação de semelhante superstição me parece ser a grande questão do séculoXXI. Concordo com Zizek que existe um conflito essencial entre capitalismo e democracia; a questão para mim consiste precisamente na superação do capitalismo e da crença fatalista no crescimento econômico através da radicalização da democracia. Creio também que a publicação dessa grotesca apologia do genocídio, da ignorância e do obscurantismo coloca uma séria questão para os senhores: como conciliar a liberdade de expressão com a publicação de semelhante apologia do genocídio? Admito que não tenho uma resposta definitiva para essa questão: aguardo o claro posicionamento dos senhores editores do "Mais".



Sem mais, respeitosamente.

Joaquim Antônio Bernardes Carneiro Monteiro.
Monge Shaku Shoshin.

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