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Por isso esse blog possui esse nome... Jigoku No Sora,
o Teto do Inferno

"Esse eu insensato, que tem tão pouca chance de salvação, é totalmente incapaz de resistir a desejos intensos e comprometimentos, a essa sucessão de dias e noites, inegavelmente reais, passada sob o constante tormento das ilusões monstruosas; isso é o inferno." - Hiroyuki Itsuki

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18 de abril de 2008

Budismo na Sociedade e no Trabalho

Inicio esta conversa com a pergunta: “O que precisamos fazer para adaptar o Budismo para o Brasil?”. No meu ver, absolutamente nada! Pois não existe nada, nenhuma doutrina dentro do Budismo que já não esteja adaptada a realidade ou à cultura do Brasil... ou da Tanzânia, França, EUA, Guiné-Bissau ou Groelândia. Definitivamente nada deve ou precisa ser feito a este respeito, pois o Budismo já é e sempre foi brasileiro. Ora, se isso pode parecer estranho, remonto as palavras do Buda que dizia que o Dharma é universal, sem dono, sem administrador, se assim o é, o Budismo sempre foi tão brasileiro quanto japonês, chinês, indiano ou coreano!

O ponto é que o Budismo em sua forma litúrgica está impregnado de aspectos culturais dos países pelos quais ele se desenvolveu e floresceu. A grande dificuldade que encontramos é tentar achar um meio de adaptar tais culturas à nossa, o que se torna muito difícil devido aos aspectos socioculturais do povo brasileiro.

Para começarmos a analisar este aspecto, devemos primeiro nos perguntar qual é a verdadeira missão das ordens budistas tradicionais no Brasil. Afinal, queremos formar japoneses, chineses, coreanos, tibetanos ou queremos formar budistas? Esta é uma questão crucial para delinearmos um suposto plano de expansão para estas ordens em solo brasileiro e mesmo em outros países do continente. Temos que nos formular sempre esta questão a cada passo que damos, pois se nossa missão for criar budistas nosso objetivo está próximo e relativamente simples, mas se quisermos forçar aspectos culturais orientais alheios à nossa cultura local, estaremos cometendo graves erros. Erros que podem gerar desconfiança e severas críticas, como veremos mais à frente.

As cerimônias, práticas e costumes estão muito mais relacionados aos aspectos culturais dos países propagadores do Budismo, do que com a religião em si. Não adianta querermos impor aspectos socioculturais aos brasileiros, pois corremos o sério risco de afastar a comunidade cada vez mais dos templos e centros. Então, se retirarmos as influencias confucionistas, taoístas, xintoístas e animistas de dentro da doutrina budista, veremos que nada há de se fazer para adaptá-la ao Brasil, pois, a menos que esteja enganado, os conceitos de compaixão, respeito, honestidade e altruísmo fazem parte do cotidiano brasileiro, praticamente desde sua colonização. Não é dito que o brasileiro é o povo mais solidário do mundo? E que mais o Dharma ensina?

Cerimônias, etiqueta, orações? Tudo isso é importante, mas foram desenvolvidas a partir de cerimônias locais ou foram desenvolvidas pela tradição ou pelos fundadores das ordens, mas não por Buda Sakyamuni, pois na época deste a transmissão era oral e não há registros de cerimônias oficiais nesta época. Se as cerimônias e cânticos existem hoje, estes foram agregados ao Budismo como forma de se recitar os sutras, mas não são sua parte essencial. Por isso, devemos tomar cuidado de como adaptá-las ao Brasil, caso decidamos que isto é importante.

Em caso positivo, a atenção ao aspecto de que o povo brasileiro gosta de entender aquilo que recita ou reza, se faz necessária. É sempre bom lembrar que estamos inseridos numa sociedade católica, na qual a apalavra tem poder, poder de invocação, poder de cura ou poder de amaldiçoar, tendo isso em mente, antes de qualquer coisa, o português deve ser tido com a língua principal nos centros e templos. Antes de qualquer coisa temos que colocar esforços na tradução daquilo que se recita e, lógico, depois temos que traduzir as orações e sutras para serem recitados na língua de Camões. Ora,

As cerimônias em chinês, coreano ou tibetano são muito bonitas, mas vamos nos espelhar em nossos irmãos cristãos que perceberam que missas em latim afastavam os fiéis das igrejas, pois nela nada se entendia. O povo brasileiro tem orgulho de sua língua e isso deve ser respeitado e tido como base para uma suposta adaptação das cerimônias à sociedade brasileira.

Mas por quê é tão difícil? Por quê teimamos em achar que os modos e costumes estrangeiros são melhores que os nossos! O problema é que os discípulos percebem isso e se ressentem. Vale a pena ouvirmos novamente uma frase de Charles Darwin: “Não é a espécie mais forte, nem a mais inteligente que sobrevivem, mas aquelas com capacidade de se adaptar”. Nunca podemos julgar uma cultura na base de melhor ou pior. Lembremos que Buda dizia que nada é bom ou ruim per si, é o conceito da vacuidade, tão discutido e ensinado em todas as escolas e tradições budistas. Pois então, está na hora de praticarmos um pouco mais ativamente este conceito de vacuidade, tendo em vista que os costumes e tradições orientais não são melhores ou piores que os brasileiros, e vice-versa.

Isto é muito importante para desenvolvermos um respeito mútuo entre estas culturas. Reforço estes pontos pois vêem-se movimentos para se criar “sanghas brasileiras” nos templos e centros, o que acho uma atitude louvável, porém não devemos perder de vista que a sangha é uma só e que termos sangha chinesas, sangha coreana, sangha japonesa, sangha brasileira são apenas transitórias e que devemos ter uma única e integrada comunidade para juntos trocarmos experiências e valores, partindo do pressuposto que toda e qualquer cultura por mais distante que seja tem sempre algo de bom para compartilhar.

Isto é muito fácil fazer acontecer, basta lembrarmos que como foi dito no início, o Dharma é universal, não é nem budista por exclusividade e, assim, sendo, ninguém é dono dele e nenhuma língua é a oficial para transmiti-lo. Buda nem mesmo precisou falar nada para transmitir o Dharma para Mahakasyapa! “Sanghas brasileiras” são projetos pioneiros de altíssimo valor, mas tomemos cuidado para não gerar discriminação, nem oposição desnecessárias. Temos que ter todos os grupos em mesmo pé de igualdade nas decisões, votações e discussão de idéias, atribuindo-se o mesmo valor a todos os seres humanos que as compõe, não alijando ninguém, mas promovendo um trabalho integrados para serem uma só.

Isto nos leva a outro aspecto. A formação de monges e professores de Dharma brasileiros são de extrema importância para a propagação do Budismo no Brasil. O Budismo é cheio de escolas, tradições, linhagens e isso pode confundir as pessoas ou mesmo levar a outras com menos escrúpulos a se autodenominarem professores ou mestres sem uma formação adequada, ou mesmo fundar ordens espúrias ou sem embasamento, como ocorre desenfreadamente nos EUA.

Como sabemos, o Budismo é baseado nas experiências pessoais e o exemplo vivo é muito importante para a caminhada nesta trilha espiritual, sendo nesse ponto que a mistura de aspectos culturais sem avaliação criteriosa pode fazer estragos. Dou aqui um exemplo. Em algumas culturas orientais ter prosperidade financeira é sinal de carma bom, sinal de uma vida de méritos e de boas ações que culminaram com as riquezas materiais, depois que se atingiu uma riqueza mental, porém no Brasil a riqueza é sempre vista com desconfiança, de maneira negativa, relacionando tal situação como perpetrador de desigualdade social, sonegação de impostos e, até mesmo, imoralidade. Cada vez que damos um exemplo ou conta-se uma estória oriental envolvendo este tema geramos desconfiança. Me lembro de um monge que deu uma palestra no Brasil e que durante esta, deu cinco exemplos de bom carma usando pessoas que ficaram ricas por causa de suas boas ações. Conclusão: os brasileiros presentes ficaram revoltados e o monge perdeu a credibilidade.

Esse exemplo é muito bom para ilustrar o cuidado que temos que ter em relação as cultura local. Mas o monge estava errado? Não, não estava pois em seu país a riqueza é vista como uma dádiva, como o resultado de boas ações. Mas no Brasil não é, mas com certeza ninguém explicou isso a ele. Também não podemos criticar os brasileiros que se sentiram ultrajados, não podemos criticar nem um nem outro, mas como o próprio Buda fazia e está ilustrado nos sutras para quem quiser comprovar, devemos escolher as palavras e os exemplos para cada tipo de audiência que temos, analisar se os aspectos que vamos comparar são válidos ou se não vai causar mal estar. É certo que ensinar o Dharma numa prisão é bem diferente de fazê-lo para um grupo de estudantes secundários.

A história do país está repleta de pessoas que usaram a fé do povo para enriquecimento ilícito e ainda o fazem e é por isso que exemplos e depoimentos envolvendo dinheiro sempre são recebidos com desconfiança e por isso que as doações ao templos são tão poucas vindas de brasileiros. Sobre este tema já ouvi os maiores absurdos, mas o fato é que temos medo de ser enganados e é por isso que o brasileiro dificilmente doa parte de seus ganhos ou posses para um templo ou centro. Basta conhecer a história e a realidade do país para concluir isso.

Desta forma, voltamos no ponto de que a criação de condições para que brasileiros possam ensinar brasileiros, eliminando assim incidentes diplomáticos culturais e desenvolvendo a confiança naquilo que falamos, é a base para termos um Budismo compreendido em terras brasileiras. Em nosso país falar sem vivenciar, sem o exemplo próprio é o passaporte para o descrédito, pois gera desconfiança e suspeitas de manipulação. Quase sempre se escuta em palestras de monges e mestres estrangeiros que estes ensinam um Dharma inaplicável, impossível de ser vivido, a menos que se encerre num monastério ou numa floresta, este ponto é muito sério pois depende de quem ensina transmitir a mensagem de forma coerente.

Se queremos falar da aplicação do Dharma na família, temos que utilizar aspectos familiares para exemplificar o modo de se fazer isso, como também devemos atrair as famílias para os templos e centros para que estas contribuam com suas experiências no lapidar sadio dos desafios da aplicação dos conceitos budistas na educação de nossos filhos e na condução de nossos trabalhos.

Se analisarmos as pessoas que freqüentam os centros e templos no Brasil, veremos que a maioria dos budistas que conhecemos são sozinhos ou freqüentam reuniões e práticas nos centros de Dharma sem a família ou companhia. A partir daí, começamos a observar este fato e a reviver as cerimônias nos centros de Dharma que freqüentamos e realmente percebemos que poucas são as família completas que vão ao centro, salvo famílias de imigrantes que já são budistas tradicionalmente. Na sua grande maioria, são pessoas que estão sempre sozinhas nas práticas e, se não são solteiras, ou separadas, seus companheiros e companheiras não os acompanham, a não ser que fosse uma visita de um mestre famoso ou importante proferindo palestras, mas mesmo assim vemos muitos grupos de amigos e poucas famílias.

Porém, tende-se a contrapor esta visão quando visitamos templos que tem suporte das comunidades orientais. Lá realmente vemos famílias inteiras nas práticas e cerimônias, mas as famílias vão inteiras por imposição dos pais, pois os jovens, quando vão, o fazem por pura obrigação diante da imposição dos pais. Mas isso não se passava conosco também? Não resistíamos bravamente às missas e cultos?

Então chega-se a conclusão de que o Budismo no Ocidente sofre do que pode se chamar de Crise da Conversão que nada mais é do que a falta da identidade cultural do Budismo com a sociedade ocidental, sendo que quase 100% dos budistas no Brasil e no Ocidente, como um todo, são convertidos, tirando-se obviamente, a porção constituída de famílias que emigraram de países onde o budismo é a religião oficial ou está inserido culturalmente na sociedade. Desta forma o Budismo ainda não teve tempo de adquirir forma dentro da cultura dos países ocidentais com forte tradição cristã enraizada na sociedade. Isto pode ser percebido nas expressões idiomáticas cristãs para referenciar situações budistas como o famoso e popular: “Graças a Deus!”, utilizado largamente por budistas, embora seja uma expressão puramente cristã.

Por outro lado, o Budismo quase sempre é visto no Ocidente como esoterismo e por muitas vezes o vemos dentro do mesmo caldeirão de ciências esotéricas e ocultistas, bastando entrar nas principais livrarias e procurar por livros budistas na seção de Religiões. Dificilmente você irá encontrá-los lá, pois para as livrarias e para muitas editoras, somente o catolicismo e o judaísmo são religiões. O resto é esoterismo! E isso termina sendo permeado na percepção cotidiana, dando a impressão de que o Budismo, uma religião de 2.500 anos, é uma filosofia barata e que Buda serve somente para o colocarmos em cima de um pote de arroz virado de costas para a porta., pois, por mais caricato que possa parecer, é dessa foram que os brasileiros vêem Buda. Porém isto é muito errado e só mostra a condição errada que esta religião é vista nos países ocidentais e vemos isto refletindo na constituição das famílias budistas “convertidas” por aqui.. Mas, é fato que se o Budismo estivesse inserido na sociedade com uma religião estabilizada e não uma “crença” esotérica, haveria menos preconceito e menos reticências.

Dificilmente vemos os centros e templos budistas por este prisma da solidão de seus membros ocidentais, mas a situação está aí para ser constatada. Então chegamos a conclusão que realmente fora das comunidades chinesas, japonesas, tailandesas e afins, nossa religião ainda é uma semente. Temos que tentar trazer a família ocidental para os centros através de atividades que interessem a seus membros, tanto individualmente quanto em grupo. Se as igrejas cristãs e judaicas podem fazer isto, nós, budistas, também podemos e este seminário é uma das iniciativas que temos para tentar ampliar a visão dos Ensinamento e Preceitos de Buda dentro da família brasileira, utilizando as experiências dos convertidos e suas opiniões.

É nosso desafio criarmos condições para que as famílias freqüentem os templos e que os jovens se interessem, mas talvez nunca tenhamos perguntado a estes jovens o que eles querem ou como eles querem ouvir o Dharma, talvez nossa arrogância não permita que sejamos jovens e adaptemos nosso discurso às suas realidades. Jovens gostam de ser úteis, eles são movidos por ideais, então temos que aproveitar estes potenciais, não adiantando obrigá-los a nada, nem impormos qualquer ética para eles. Todos já fomos jovens: o que queríamos? Com que nos preocupávamos? Perguntemos isso aos nosso jovens de hoje. É tão fácil!

As outras religiões podem nos dar ótimos exemplos de como fazer. “Vamos a lutas!”, como diria a Rev. Sinceridade, mas vamos sem arrogância ou pretensões de que temos algo para ensinar, pois temos sim, algo para aprender e isso deve começar em nossa família, no nosso lar.

O grande começo para uma educação budista para nossos filhos é desenvolver a compaixão em todos os momentos de nossa vida cotidiana. Em casa, com parentes, amiguinhos, pedintes na rua, com as pessoas que nos relacionamos temos que estar atentos em provocar isto em nossas crianças e com isto praticamos e desenvolvemos a nossa própria compaixão.

O exemplo para nossos filhos deve ser sempre preservado e utilizado como ponto de partida para passarmos conceitos e idéias para eles de forma simples e contundente. Veja, é mais fácil mostrarmos a eles o que fazer do que nos preocuparmos com explicações lógicas, bem como, não podemos cobrar deles atitudes que devam nascer do que explicamos, pois é muito mais simples que as crianças copiem as atitudes de seus pais e familiares. Se eles fazem isto com seus amiguinhos porque não podem fazer conosco?

Despertar e incentivar o lado bom e compassivo de nossas crianças é um grande passo para explicarmos os princípios básicos do Budismo para elas. Se conseguirmos mostrar e passar à elas os conceitos de fazer o bem e preservar os seres vivos, já conseguiremos transmitir grande parte do ensinamento budista. A compaixão deve ser tomada como um sentimento que leva a uma atitude constante de promover o bem e fazer boas ações de modo a que isto fique inerente a qualquer situação que nos encontramos durante a vida.

Um bom exemplo é a relação da criança com os animais, geralmente elas vêem um animal grande como vacas, cachorros, gatos e pássaros como seres vivos, mas animais pequenos ou que eventualmente lhe fazem mal são sempre descartados como seres e passam a ter seus dias contados na mão de nossos pequenos. Muito disto se deve também as nossas atitudes, pois estamos sempre exterminando mosquitos, moscas, baratas e insetos diversos. Sem pensar, estamos com chinelos e panos nas mãos para eliminar pequenos animais de nossos lares. Mas dificilmente lembramos que estes animais por menores que sejam são também seres vivos. Afinal, que diferença há entre a vida de um elefante ou de uma minhoca? Por que matamos um mosquito com tanta facilidade? Por que nos faz mal? Por que nos pica?

Há uma estória budista que conta que um monge vê um escorpião se afogando em uma poça d’água e salva o pequeno animal com sua mãos nuas e toma uma ferroada do bicho, mas quando o monge o coloca no seco ele volta para a água e pacientemente o monge o recolhe novamente e toma uma nova picada e o escorpião volta para a água de novo, num ciclo incansável. Um outro monge vê a cena e se aproxima imaginando a dor que seu colega está sentindo pois a picada de um escorpião provoca uma das dores mais lancinantes no ser humano, e pergunta o porquê daquele gesto, ao que o monge com a mão inchada responde: “a índole deste animal é se defender com sua cauda venenosa, a minha é querer seu bem sempre, não importando como”.

Esta estória ilustra bem o sentimento budista em relação aos seres sencientes e temos que cultivar em nossas crianças este respeito pelos animais e pelos outros seres humanos. Não quero dizer que elas devem brincar com escorpiões ou qualquer outro animal peçonhento ou que lhes façam mal, de maneira alguma, mas quero dizer que se mostrarmos a elas que este respeito vai ser bom para os animais e para si próprios já teremos plantado uma sementinha dentro da consciência de cada uma delas.

Em vez de matarmos mosquitos podemos instalar repelentes em nossas casas. Em vez de esmagarmos baratas, podemos pegá-las com um copinho e colocá-las para fora de casa. Se estamos no mato e vemos uma cobra podemos nos afastar., afinal ela só ataca quando encurralada.

Em suma, podemos encontrar meios alternativos para evitarmos ao máximo matar intencionalmente os animais que nos cercam. Digo intencionalmente porque somente o fato de andarmos e sentarmos já comprometemos a vida de animais pequenos e microscópicos. Pois então, a palavra de ordem é intenção.

No Budismo, dizemos que a ação tem quatros momentos distintos, a intenção da ação, a preparação da ação, a ação em si e o regozijo da ação executada e que para a ação ser completa devemos seguir estes passos efetivamente. O termo carma significa justamente ação e geramos nosso carma em função das ações que tomamos em nossas vidas. Assim, quando as quatro etapas de uma ação são completadas há uma geração de carma em nossas vidas, porém a “potência” deste carma adquirido pode variar se umas destas etapas é interrompida. Um exemplo é um indivíduo que comete uma ato negativo e arrepende-se logo em seguida sem se regozijar, carma ruim será acumulado, mas em menos quantidade. Um Lama tibetano uma vez contou sobre as proporções de acúmulo de carma em relação as etapas não completadas das ações cometidas, mas acho que não é relevante aqui, pois o fato é que temos que analisar nossas ações antes que aconteçam e já na primeira etapa: a intenção. Também não quero dizer que podemos fazer qualquer coisa e depois nos arrependermos que nosso “contador” de carma vai ficar passivo, mesmo porque, não podemos anular os efeitos e as causas de nossas ações por maior que seja nosso arrependimento.

Se desenvolvermos uma intenção pura para nossas ações é um grande passo para efetuarmos ações meritórias em nossas vidas e darmos este exemplo para nossas crianças será mais fácil evitarmos ações negativas do que corrigirmos ações impensadas.

A compaixão também está relacionada a benevolência, ao desapego e a prática da bondade com seres humanos. O fato de sempre encontrarmos pessoas que necessitam de nossa ajuda é uma fonte de prática para nossa compaixão sem limites. Vale lembrar da frase do mestre Hsin Yun, “o mérito é duplo quando praticamos o bem, para quem faz e para quem recebe”, assim, quando praticamos o bem estamos gerando mérito para o objeto de nossa benevolência além de nós mesmos.

Implicarmos isto na nossa vida diária é parte dos ensinamentos budistas e fortemente referenciado nos Votos de Bodhisattva das escolas Mahayana, de Budismo. A essência destes Votos é justamente praticar o bem e a compaixão para com os outros em primeiro lugar, mesmo em relação a você próprio, ou seja, policiar nossa mente em função da prática de ajudar os que precisam no nosso convívio diário.

Se prestarmos atenção estamos rodeados de pessoas que possam ser alvo de nossa compaixão, dentro de casa, em nosso trabalho, no nosso clube, no círculo social que estamos inseridos. Porém, devemos sempre ter em mente que a compaixão não pode ter como objetivo a nossa própria promoção, nosso jubilo, nem ser o combustível de nosso próprio orgulho. A compaixão deve ser espontânea e visar o bem-estar alheio, porém sei bem que desenvolver uma pura compaixão, livre de interesse pode ser algo difícil na sociedade que vivemos hoje, mas se em nossa célula social, nossa família, possamos plantar uma semente, uma árvore florescerá e espalhará suas sementes pela região e assim novas árvores florescerão. Os frutos desta árvore, nossos pupilos, serão os grandes e beneficiados por estes preceitos, desde que reguemos nossa semente com água pura, pois como me disse uma vez a mestra Sinceridade, “o Budismo é como uma semente, depois que vira uma árvore, toda sua essência está nela e poucos lembram de que ela já foi uma semente”, isto quer dizer que quando plantamos os preceitos budistas em nossa família, temos que fazê-lo de forma a germinar com força para que naturalmente suas raízes se emaranhem na educação de nossos descendentes, pelos motivos que já apresentei anteriormente e conseguirmos construir mais famílias budistas de forma natural, já que a maioria destas no ocidente seja composta de budistas convertidos de outras religiões.

Talvez estejamos gastando muito templo divulgando uma cultura estranha ao invés de nos ater às bases que compõe uma comunidade, pois o que culturalmente pode ter dado certo num determinado país, não quer dizer que este sucesso se repetirá aqui ou em qualquer outro país. Simplesmente, não há esta garantia. Outras religiões acharam esta fórmula, cabe a nós construirmos nossas equações.

Temos que dar fórmulas para a comunidade utilizar no seu dia-a-dia. A pergunta que mais se ouve num seminário budista é “como levo estes conceitos para a minha vida diária?” Se esta pergunta permanece, então, é porque não estamos sendo competentes em mandar nosso recado. Como meditar trabalhando? Como um mantra me ajuda a criar meus filhos? Como o Nembutsu me ajuda a ser uma pessoa melhor? Como ser compassivo se trabalho numa empresa que me cobra resultados? Estas são perguntas comuns que vemos nas listas budistas nas Internet,. Nos seminários, em retiros. E uma outra pergunta fica no ar: estamos preparados para responder a isso usando aspectos da cultura e da sociedade brasileira? Ou o que nos resta são exemplos que muitas vezes não se encaixam nos conceitos locais?

Nestes casos, não adiantam os sutras, abhidharma ou cerimonias, nem adianta trazer aspectos das sociedades orientais para a discussão, isto é o aqui e o agora e é justamente nestes casos que monges e professores brasileiros agregam um enorme valor trazendo para a luz das argumentações suas vivências diárias e desenvolvendo analogias produtivas e encorajadoras para as pessoas.

É dito que o mundo dos negócios talvez seja o mais desafiador de todos para aplicarmos os ensinamentos de Buda. É um mundo selvagem, um jogo, no qual o indivíduo não tem valor, apenas resultados, porém, ainda que inseridos neste ambiente podemos ser honestos, íntegros e humildes, mas temos que levar em conta que estes três itens são mais importante que fama e fortuna, transformando esta situação no grande desafio de nossas carreiras profissionais. Desafio maior para aqueles que ensinam o Budismo, onde honestidade, integridade e humildade devem ser tidos como base para que a própria religião não caia em descrédito.

Como disse o monge Meiho Guensho: “Empresários que pensam apenas em seu enriquecimento pessoal não são verdadeiros empresários. Os legítimos são os que se encantam com a construção de uma grande obra. Os que pensam em acumular para si são predadores, sem visão da totalidade. Falta-lhes espiritualidade. Visão abrangente. Empregados que estão sempre cogitando de como superar o colega, de como obter vantagens espúrias dentro da empresa, são salteadores, não são trabalhadores. Assim, começa a surgir a necessidade de treinar as mentes para que elas ampliem sua percepção do mundo. Para que os egos se expandam e consigam perceber o todo que nos cerca. Dentro da empresa significa compreender o objetivo último da empresa e sua inserção no mundo empresarial. Uma maior compreensão das práticas espirituais implica em entender o outro, ajuda-lo, ter espírito de equipe. Abdicar do egoísmo que atrapalha o desempenho e geram conflitos dentro das equipes. Para diretores e gerentes significa a satisfação de olhar o mundo com olhos de realizador mais profundo do que meramente a do acumulador de posses. Estas são em última instância impermanentes e perecíveis.”

Para iniciarmos nossas conclusões, ressalta-se a necessidade de planejamento com métricas definidas de curto, médio e longo prazo das ações a serem tomadas para que possamos integrar cada vez mais e mais o Budismo na vida das pessoas. Talvez uma atividade importante seria promover uma maior integração dos diversos centros e templos no Brasil, ainda que divididos por cidade ou região para que não haja duplicidade de ações e possamos fortalecer tanto ações sociais, mas também ações relevantes à sangha de praticantes e aos templos em geral. Um outro ponto importante é a incessante necessidade de traduções acuradas de textos budistas e sua divulgação incessante, bem como a unificação de termos e eventualmente de terminologias, que garantam um perfeito entendimento, não importando a escola ou tradição. Enfim, para termos um Budismo brasileiro basta que sigamos os ensinamentos de Buda e nada mais precisa ser feito, mas se quisermos algumas outras coisinhas a mais adaptadas, devemos esperar um pouquinho mais, mas o importante é que possamos exercitar nossa mente búdica independente de prostrações ou cerimônias religiosas, pois como diz o poema de Asahara Saichi:

Ó Saichi, onde fica a tua Terra da Plenitude?
Minha Terra da Plenitude fica aqui mesmo.
E onde fica a fronteira
Entre este mundo e a Terra da Plenitude?
Os olhos são a fronteira.

(palestra proferida na inauguração do Templo Zu Lai, em Cotia, SP)

2 comentários:

  1. acho lindo acho que vou virar budista

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  2. Belissimo e esclarecedor texto!!

    Sou um simples estudioso do Budismo e moro em Aracaju-SE. Tive contato com algumas tradições, mas hoje estudo o budismo no geral e tenho me interessado pelo budismo shin e visitado alguns blogs e principlamnete os textos do seu blog reverendo tem sido muito elucidativos quanto a vários questionamentos meus sobre o Budismo e em especial o budismo shin. Infelismente tradições budistas aqui são muito limitadas, mas nada como a internet para encurtar caminhos. Lendo o texto do senhor lembrei de uma matéria da revista Isto é intitulada "o fim do budismo" (O que achei muito apelativa em alguns tópicos) e este texto caiu muito como uma resposta a situação do budismo no Brasil e que ainda pelo desconhecimentos de muitos dá margem a jargões ainda vigentes como "budismo é uma religião esotérica e complexa" ou ainda que "budismo é uma religião para a elite". Parabéns pelo trabalho no blog e Saudações

    João Paulo Santos
    jannuss0@gmail.com

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