Para homenagear as mulheres nesta semana que se comemorou seu dia, reproduzo aqui o texto da "quase" :) reverenda Shaku-ni Tyô-Juni (Sayuri Sakane Bronzeri) do Templo Higashi Honganji de Apucarana:
"
Por isso esse blog possui esse nome... Jigoku No Sora,
o Teto do Inferno
"Esse eu insensato, que tem tão pouca chance de salvação, é totalmente incapaz de resistir a desejos intensos e comprometimentos, a essa sucessão de dias e noites, inegavelmente reais, passada sob o constante tormento das ilusões monstruosas; isso é o inferno." - Hiroyuki Itsuki
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11 de março de 2012
5 de março de 2012
Não sou compassivo!
Na última semana estive no Higashi Honganji com um amigo para recitações do Shoshinge e Amida-kyo (Sutra de Amida) como preparação para a nossa ordenação que se tudo der certo ocorrerá em breve.
Conversando com Monge Atsunori Imai, discutimos um texto publicado em um jornal da ordem nos EUA no qual um dos monges falava sobre duas experiência que tinha tido no mês anterior. Uma delas se referia a sua mãe que sempre dizia que não queria morrer de aneurisma cerebral, porque se inválida, teria que depender do marido e de outros familiares para viver. Conclusão: ela morreu de cancer, sofrido, depois de poucos meses de luta. Por outro lado, o monge conheceu um casal cujo marido estava na cadeira de rodas devido a justamente um derrame. E o obosan perguntou a esposa como era a vida dele agora, já que dependia dela para muitas coisas. Ela disse que a vida era muito melhor agora, pois o marido estava em casa, estava mais calmo, fazia as coisas com paciência e a ouvia mais. Conversavam mais, passeavam mais. De certo modo, ela disse que a doença do marido veio para melhorar a vida de ambos, embora as dificuldades de locomoção do mesmo.
Isso mostra como podemos ver a realidade de formas tão diferentes e tão antagônicas, de modo a alterar a realidade completamente. A nossa interação com o mundo faz realmente o mundo mudar, pelo menos da maneira que o vemos e julgamos.
Há muitos anos, em Campinas, enquanto traduzia uma palestras de um monge tibetano, me lembro claramente uma de suas passagens: "veja sempre uma situação por vários ângulos, afinal é impossível que ela seja ruim por todos eles!". Um exercício tão simples, mas temos tanta preguiça, não é mesmo?
Neste texto o monge prossegue dizendo que na mesma semana pegou um avião para visitar um templo em outra cidade nos EUA e ao seu lado um jovem inquieto, o irritava. Com 15 ou 16 anos o rapaz jogava um videogame portatil incessantemente e com isso "disputava" o espaço do apoio do braço com o monge. Acabado o interesse no jogo ele foleava as revistas sem parar e depois ficava mudando os canais do monitor de vídeo sem demonstrar interesse. O monge então resolveu conversar com o rapaz, pois achava que seria a melhor maneira deste parar um pouco de se mexer.
Iniciada a conversa o rapaz contara que estava voltando com a irmã sentada na fileira da frente dos funerais de seu pai que havia morrido alguns dias antes de acidente de carro. Muito apegados embora vivendo longe pelo divórcio, ele contou várias coisas que fizera junto com seu falecido pai e o que gostaria de ter feito. O jovem nitidamente sofrendo com a situação falou quase todo o restante do vôo sobre o pai e sobre como este lhe faria falta. Terminado o vôo o rapaz saiu rapidademente do avião com a irmã e o monge ficou muito envergonhado do que havia pensado e como pensara sobre a atitude anterior do jovem.
Ele se sentiu envergonhado de ter pensado em si próprio somente, de não ter tentando entender o que passava na cabeça do jovem, ou simplesmente por tê-lo julgado tão rapidamente. Ele então se deu conta que seu sentimento de vergonha piorou as coisas, pois afinal ele era um monge e poderia ter tentado confortar o menino com algumas palavras que não saíram de sua boca, justamente por estar contrangido. E pior, nem o telefone do rapaz ele pegou para pelo menos ligar mais tarde e tentar confortá-lo.
Com isso, ele passou a entender que "posamos" de compassivos, que nossa "compaixão" não passa de "materialismo espiritual" como diria Chogyam Trungpa. Nos achamos sempre melhores que os outros, mais bondosos, mais solidários e altruístas, mas no fim, no fim mesmo, só pensamos em nós mesmos, só estamos preocupados com nossa imagem de compassivos, com o que os outros irão pensar de nós, é o que Freud chamou de "pacto social". O pacto que fazemos com o espelho para que definamos a imagem que queremos que a sociedade tenha de nós.
Camuflamos nosso egoísmo com atitutes sem lastro espiritual, com pensamentos calculistas e palavras adoçadas por uma ética artificial, somente para que o outro nos elogie e aliemente mais ainda nosso ciclo vicioso de apego, raiva e ignorância dentro da Roda da Vida.
Adianta lutar contra isso? Não. É mais forte que nós. É dito que Jigoro Kano, criador do Judo moderno, um dia olhava pela janela e viu a neve se acumulando um grosso e pesado galho de árvore. Quando este não mais suportou o peso da neve que se acumulava, quebrou e espatifou-se no chão. Contudo, o galho ao lado, fino, frágil e elástico, quando se sobrecarregou de neve simplesmente envergou para o chão, fazendo a neve cair e voltou à sua posição original.
Lutar contra o ego é ser o galho maior, vamos terminar quebrando com tanta neve. Temos que nos tornar o galho menor e eliminar a neve aos poucos com habilidade. Portanto, um olhar compassivo, um silêncio compassivo é mais puro e eficiente que uma atitude sem fundamento, mas mesmo assim ainda difícil de se gerar.
Dessa forma me recolho aos ensinamentos de Shinran Shonin que nos afirma que todos estamos no Nirvana, na Terra Pura. Temos só que saber confiar, confiar uma única vez de maneira pura e desapegada. Isso feito, a Terra se tornará Pura e todos veremos a realidade como ela é.
Namo Amida Butsu!
Conversando com Monge Atsunori Imai, discutimos um texto publicado em um jornal da ordem nos EUA no qual um dos monges falava sobre duas experiência que tinha tido no mês anterior. Uma delas se referia a sua mãe que sempre dizia que não queria morrer de aneurisma cerebral, porque se inválida, teria que depender do marido e de outros familiares para viver. Conclusão: ela morreu de cancer, sofrido, depois de poucos meses de luta. Por outro lado, o monge conheceu um casal cujo marido estava na cadeira de rodas devido a justamente um derrame. E o obosan perguntou a esposa como era a vida dele agora, já que dependia dela para muitas coisas. Ela disse que a vida era muito melhor agora, pois o marido estava em casa, estava mais calmo, fazia as coisas com paciência e a ouvia mais. Conversavam mais, passeavam mais. De certo modo, ela disse que a doença do marido veio para melhorar a vida de ambos, embora as dificuldades de locomoção do mesmo.
Isso mostra como podemos ver a realidade de formas tão diferentes e tão antagônicas, de modo a alterar a realidade completamente. A nossa interação com o mundo faz realmente o mundo mudar, pelo menos da maneira que o vemos e julgamos.
Há muitos anos, em Campinas, enquanto traduzia uma palestras de um monge tibetano, me lembro claramente uma de suas passagens: "veja sempre uma situação por vários ângulos, afinal é impossível que ela seja ruim por todos eles!". Um exercício tão simples, mas temos tanta preguiça, não é mesmo?
Neste texto o monge prossegue dizendo que na mesma semana pegou um avião para visitar um templo em outra cidade nos EUA e ao seu lado um jovem inquieto, o irritava. Com 15 ou 16 anos o rapaz jogava um videogame portatil incessantemente e com isso "disputava" o espaço do apoio do braço com o monge. Acabado o interesse no jogo ele foleava as revistas sem parar e depois ficava mudando os canais do monitor de vídeo sem demonstrar interesse. O monge então resolveu conversar com o rapaz, pois achava que seria a melhor maneira deste parar um pouco de se mexer.
Iniciada a conversa o rapaz contara que estava voltando com a irmã sentada na fileira da frente dos funerais de seu pai que havia morrido alguns dias antes de acidente de carro. Muito apegados embora vivendo longe pelo divórcio, ele contou várias coisas que fizera junto com seu falecido pai e o que gostaria de ter feito. O jovem nitidamente sofrendo com a situação falou quase todo o restante do vôo sobre o pai e sobre como este lhe faria falta. Terminado o vôo o rapaz saiu rapidademente do avião com a irmã e o monge ficou muito envergonhado do que havia pensado e como pensara sobre a atitude anterior do jovem.
Ele se sentiu envergonhado de ter pensado em si próprio somente, de não ter tentando entender o que passava na cabeça do jovem, ou simplesmente por tê-lo julgado tão rapidamente. Ele então se deu conta que seu sentimento de vergonha piorou as coisas, pois afinal ele era um monge e poderia ter tentado confortar o menino com algumas palavras que não saíram de sua boca, justamente por estar contrangido. E pior, nem o telefone do rapaz ele pegou para pelo menos ligar mais tarde e tentar confortá-lo.
Com isso, ele passou a entender que "posamos" de compassivos, que nossa "compaixão" não passa de "materialismo espiritual" como diria Chogyam Trungpa. Nos achamos sempre melhores que os outros, mais bondosos, mais solidários e altruístas, mas no fim, no fim mesmo, só pensamos em nós mesmos, só estamos preocupados com nossa imagem de compassivos, com o que os outros irão pensar de nós, é o que Freud chamou de "pacto social". O pacto que fazemos com o espelho para que definamos a imagem que queremos que a sociedade tenha de nós.
Camuflamos nosso egoísmo com atitutes sem lastro espiritual, com pensamentos calculistas e palavras adoçadas por uma ética artificial, somente para que o outro nos elogie e aliemente mais ainda nosso ciclo vicioso de apego, raiva e ignorância dentro da Roda da Vida.
Adianta lutar contra isso? Não. É mais forte que nós. É dito que Jigoro Kano, criador do Judo moderno, um dia olhava pela janela e viu a neve se acumulando um grosso e pesado galho de árvore. Quando este não mais suportou o peso da neve que se acumulava, quebrou e espatifou-se no chão. Contudo, o galho ao lado, fino, frágil e elástico, quando se sobrecarregou de neve simplesmente envergou para o chão, fazendo a neve cair e voltou à sua posição original.
Lutar contra o ego é ser o galho maior, vamos terminar quebrando com tanta neve. Temos que nos tornar o galho menor e eliminar a neve aos poucos com habilidade. Portanto, um olhar compassivo, um silêncio compassivo é mais puro e eficiente que uma atitude sem fundamento, mas mesmo assim ainda difícil de se gerar.
Dessa forma me recolho aos ensinamentos de Shinran Shonin que nos afirma que todos estamos no Nirvana, na Terra Pura. Temos só que saber confiar, confiar uma única vez de maneira pura e desapegada. Isso feito, a Terra se tornará Pura e todos veremos a realidade como ela é.
Namo Amida Butsu!
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