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Por isso esse blog possui esse nome... Jigoku No Sora,
o Teto do Inferno

"Esse eu insensato, que tem tão pouca chance de salvação, é totalmente incapaz de resistir a desejos intensos e comprometimentos, a essa sucessão de dias e noites, inegavelmente reais, passada sob o constante tormento das ilusões monstruosas; isso é o inferno." - Hiroyuki Itsuki

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22 de maio de 2012

Estadia em Apucarana

Com muito atrasado venho postar sobre os dias que passei no Templo Apucarana Nambei Honganji a convite do meu sensei, Rev. Wagner Haku-shi e sua esposa Rev. Sayuri, recebendo ensinamentos, conversando sobre planos futuros, ordenação e ajudando nos preparativos para o Hanamatsuri, a Festa das Flores, que comemora o nascimento do Buddha Shakyamuni.

Minha ida se deu no feriado do dia do trabalho, cheguei no sábado de madrugada em Londrina, onde os revendos me esperavam. Bom, neste instante a conversa começou só acabou 4 dias depois!

Durante esses dias, além de conhecer uma cidade muito interessante, pude viver um pouco o dia-a-dia de um templo shinshu, interagindo com a comunidade nos preparativos da festa e vendo como é a ação dos monges que vivem diretamente nos templos.

Podemos achar que é uma vida tranquila e claro que comparado com nossa vida atribulada de metrópole é muito mais easy, mas isso não quer dizer que não tenha o que se fazer. Tem! E muito! Sayuri-san mal parou nesses dias para garantir que tudo estivesse estruturado e em seu lugar para a festa mais importante do Budismo japonês. O entra-e-sai no templo é constante e as "velhinhas" do Fujinkai (Associação de Senhoras) não pararam de cozinhar para fazer que tudo estivesse nos conformes para a festa na terça-feira. No domingo, tudo já estava fervilhando por lá.  Sorte minha e do Jean Jacques! Pois comida caseira japonesa feito por senhorinhas que sabem o que estão fazendo é maravilhosa!

Muita conversa fluia a cada minuto que sentávamos para fazer qualquer coisa, dúvidas, planos, liturgia, recitações, histórias engraçadas, notícias da comunidade, fofocas do Dharma, muito chá verde, cerveja, comida e conversa novamente.

Jean Jacques, um bom amigo que trilha o caminho monástico comigo, chegou na segunda-feira adicionando mais conersa, mais duvidas, mais notícias. Já estávamos integrados, nos sentindo em casa e com pena de irmos embora.

A comunidade toda nos recebeu de braços abertos, até meio supresa por ver dois gaijins, um se deslocando de São Paulo e outro de... Paris para comemorar o Hanamatsuri ali em Apucarana. Motivo do discurso do presidente das associações budistas, ressaltando nossa presença e a importância que o "o-tera" (templo) de Apucarana estava ganhando. Afinal, dos provaveis próximos 5 monges da Missão, 3 sairiam dali!  Mesmo porque outro monge, de Curitiba,  já tinha passado alguns dias antes de nós por lá para receber ensinamentos do Rev. Haku-shin e para a festa chegou Rev. Benjamin de Presidente Prudente, o qual iria fazer a prédica principal das comemorações. Quase sem querer, o otera de Apucarana virou uma "escola budista" (Bukkyo Gakkuin) por quase uma semana naquele período ou melhor uma "Escola do Budismo Terra Pura" (Shinshu Gakkuin)!

Uma semente importante para o Budismo no Brasil foi plantada ali. Não estávamos ali para somente para planejar, para conjecturar. Ali estávamos para decidir e fazer as coisas acontecerem. Decidir como seria o futuro, como daríamos continuidade aos trabalhos missionários no Brasil e qual seria o papel de cada um nesse contexto.

Foi uma experiência incrível e garanto que tanto eu como Jean Jacques nos sentimos parte integrante desta sangha e lá sempre estaremos quando necessitarem ou quando nos forem solicitados.

O Hanamatsuri foi maravilhoso! Templo cheio! Dia de festa! Rev. Haku-shin e Rev. Benjamin recitando o Sutra Longo de Amida enquanto toda a assembléia dava banho de chá adocicado na estátua do Buda menino apontando para o céu e para a terra.  Shoshinge recitado, wasan e eko. Fotos a vontade e confraternização. Toda a comunidade veio nos cumprimentar e parabenizar pelo nosso futuro na Missão.

Nessa hora percebemos um jovem rapaz, 12 ou 13 anos, loiro de olhos azuis no meio dos japoneses, portando um nenju (que depois soubemos que ele mesmo o havia feito). Causava estranheza. Sabia as recitações e tentava copiar a minha postura e a do Jean Jacques.  Indagamos quem era e descobrimos uma história intrigante.  Rev. Haku-shin costuma colocar gasolina em um único posto em Apucarana e um dia um dos frentistas veio conversar com ele sobre o filho.  Disse que o rapaz era aficcionado por cultura japonesa, só se interessava sobre isso e queria saber se o filho poderia visitar o templo. E então passou a ir lá, incentivado pelo pai (que nem fazia idéia do que era Budismo) nas datas comemorativas, lembrando que mora em outra cidade que não Apucarana. O rapaz agora aprende japonês e está decidido em realmente seguir o caminho do Budismo.  Lembrei muito de mim quando imagens dos meus 3 ou 4 anos vendo filmes de samurais na televisão me vem à mente e da sensação de extase que me provocavam, como se eu tivesse vivido ali fazia pouco. Ouvindo essas histórias cada vez mais vejo que renascimento é algo indubitável.

Se tudo der certo em julho estaremos lá novamente para os Ritos de Obon, a homenagem aos mortos no Budismo japones.

Namo Amida Butsu!

19 de maio de 2012

Jodo Shinshu: a doutrina do povo

Numa certa aldeia no Japão, haviam dois monges, um da escola da Terra Pura que há muito vivia ali e outro que havia aparecido há pouco e se instalado por lá. Aldeia pobre, restrita em recursos, arroz escasso, muitos impostos para pagar ao daimyo, não poderia sustentar dois monges.

O prefeito então numa manhã fria e ensolarada reuniu a aldeia na praça e pediu que uma grande tina d'água fosse colocada sobre uma fogueira, ordenando que litros e litros de água fossem fervidos.

Chamou então os dois monges e proferiu o ultimato: "Nossa vila é pobre, não podemos sustentar dois monges, mas também não sabemos como decidir com qual dos dois devemo ficar.  Então teremos uma prova e aquele que passar ficará na nossa vila, o outro terá que partir." Ambos os monges ainda meio atordoados pela movimentação, conscientiram com os procedimentos.

O prefeito proferiu as regras: "Eis uma tina cheia d'água fervente. Vocês dois terão que entrar na tina, o que sair ileso ficará na aldeia". Imediatamente, o monge que havia chegado a pouco se prontificou a entrar na tina. Fez várias orações, prostrações, mantras, mudras, tudo que sabia para invocar a cosmologia budista inteira. Tirou suas vestes e entrou na tina lá ficando por mais de cinco minutos imersos. De repente, ele emerge todo vermelho, com fumaça saindo pelos poros, tonto, mas vivo. A vila inteira aplaude estupefata a atitude do monge, alguns se prostram e outros louvam o Buda. Ao sair da tina, o monge novato faz uma reverência a todos, se veste e se retira.

Quando a aldeia se volta novamente para a tina, vêem o monge Terra Pura com as mangas do kimono arregaçada, testando a água da tina. Percebendo a curiosidade de todos, ele ordena: "Alguém poderia trazer quatro pequenas tinas de água do poço?". O prefeito sem entender nada, ordena a dois adolescentes que se apressassem para seguir as ordens do monge.

Trazidas as tinas de água fresca, o monge pega cada uma, sobe em um banquinho de madeira e as despeja no recipiente.  Novamente, enfia os braços dentro da grande tina, mas não fica satisfeito. "Mais duas!", ordenou com um berro ao prefeito.  Como em um passe de mágica, surge mais um jovem com duas tinas menores nos ombros, as quais foram despejadas pelo monge dentro da tina maior.  Testando a temperatura mais um vez, um sorriso brotou dos lábios do monge.

Ele então, pegou o banquinho no qual estava trepado e colocou dentro da tina, despiu-se de suas vestes, ficando com suas roupas de baixo e entrou na tina.  Sentou-se no banquinho com água pelo pescoço, reclinou-se e relaxou soltando um longo suspiro... alguns instantes se passaram e ele se incomodou com o silêncio que o cercava e abriu os olhos. Foi então que viu a vila inteira de boca aberta, sem entender o que se passava.  O monge mais que depressa repreendeu a todos: "Ora, ora, o que estão fazendo aí parados? Entrem, entrem, a água está ótima, não vamos disperdiçar! Entrem, não fiquem acanhados.". E um a um os aldeões foram entrando na tina e se reclinando, sentindo a água morna em seus corpos cansados da labuta nos campos de arroz.

Algumas mulheres então lembraram que tinham alguns bolinhos de arroz que sobraram do jantar do dia anterior e os trouxeram para perto da tina em cima de uma mesa, o prefeito lembrou que tinha ainda um pouco de um bom saque que ganhara de um amigo. Alguns jovens correram e colheram algumas ameixas e pegaram alguns pedaços de tofu na casa de seus pais. Ao final de alguns minutos, havia uma festa na aldeia, todos se confraternizando e ouvindo as histórias contadas pelo monge sobre o budismo e sobre suas andanças. A aldeia toda participou de um momento único, integrada sob o louvor do Buda e se sentiram iguais, vendo que ali não haviam poderes mágicos, que a mágica da vida estava em compartilhar os momentos com todos, tristes ou felizes.

Advinhem qual monge ficou na aldeia?

16 de maio de 2012

Cuidado Onde Você Pisa

Como o Budismo é uma religião sem uma liderança central, existem muitos grupos "travestidos" de budistas mas que não pregam a doutrina como deveriam, seja por interesses comerciais, seja por egocentrismo dos líderes ou mesmo por seu "líder" achar que todo mundo está errado e só ele certo (mesmo que esse "todo mundo" sejam escolas centenárias e estruturadas!) e resolve fundar um grupo/seita/escola próprios. 

Desde muito tempo me interesso em pesquisar esses grupos e há mais de 15 anos me correspondo com um instituto acadêmico nos EUA dedicado 100% do tempo a levantar dados sobre o que eles chamam de "potential harmful cults" ou "cultos potencialmente perigosos". O Rick Ross Institute (www.rickross.com) possui uma extensa base de dados sobre diversos "cultos" com muita informação (em ingles). Desta lista, o que me deixa um pouco mais confortado, é que só existem 2 grupos supostamente "budistas".

Portanto, antes de se "atirar" em um grupo, pesquise, se informe, garanto que muitos boatos tem grandes verdades por tras. Se a informação não estiver neste site que indico, dê sempre uma "googlada" e leia o que aparece. 

Veja abaixo as dicas que Rick Ross dá para se identificar grupos "potencialmente perigosos" (fonte: http://www.rickross.com/warningsigns.html) :

Dez sinais de alerta de um grupo/líder potencialmente perigoso:

  1. Autoritarismo absoluto sem responsabilidade significativa.
  2. Nenhuma tolerância para questões ou investigação com críticas.
  3. Nenhuma divulgação de informação financeira clara relativa a despesas, tais como uma declaração de uma auditoria financeira independente.
  4. Medo irracional do mundo exterior, pregação de uma catástrofe iminente, conspirações do mal e perseguições.
  5. Não há nenhuma razão legítima para sair do grupo, antigos seguidores estão sempre errados em sair, são negativos ou mesmo maldosos [por não participarem mais do grupo].
  6. Ex-membros muitas vezes relatam as mesmas histórias de abuso e refletem um padrão similar de queixas.
  7. Há registros, livros, artigos de notícias ou programas de televisão que documentam os abusos do grupo/líder.
  8. Seguidores sentem que nunca podem ser "suficientemente bons" [perante seu líder ou grupo].
  9. O grupo/líder está sempre certo.
  10. O grupo/líder é o caminho exclusivo de conhecer a "verdade" ou a validação da mesmao, nenhum outro processo de descoberta é realmente aceitável ou digno de crédito.

Dez sinais de alerta em relação às pessoas envolvidas em/com um grupo potencialmente inseguro/líder.

  1. Obsessão extrema em relação ao grupo/líder resultando na exclusão de quase toda consideração prática.
  2. A identidade individual da pessoa, o grupo em si, o líder e/ou Deus deixam de ser  categorias distintas e separadas da existência de cada um e a distinção entre eles fica cada vez mais ténue. Em vez disso, na mente do seguidor ,essas identidades tornam-se substancialmente cada vez mais fundidos - conforme o envolvimento dessa pessoa com o grupo/líder se desenvolve e se aprofunda.
  3. Sempre que o grupo/líder é criticado ou questionado, tal ação se caracteriza como "perseguição".
  4. Conversas e maneirismos estranhamente empolados e aparentemente programada mostrando a clonagem do grupo/líder no comportamento pessoal.
  5. Dependência do grupo/líder para resolução de problemas, soluções e definições sem pensamento reflexivo significativo. A aparente incapacidade de pensar de forma independente ou analisar situações sem o grupo ou envolvimento do líder.
  6. Hiperatividade centrada na agenda do grupo/líder, que parece suplantar todos os objetivos pessoais ou interesses individuais.
  7. A dramática perda de espontaneidade e senso de humor.
  8. Aumento do isolamento de velhos amigos e da família, a menos que demonstrem interesse no grupo/líder.
  9. Qualquer coisa que o líder/grupo faz pode ser justificada não importa o quão áspero ou prejudicial a ação represente.
  10. Antigos seguidores são classificados na melhor das hipóteses como pessoas negativas ou na pior delas, como maldosos e sob más influências. Eles não podem ser confiáveis ​​e contato pessoal deve ser evitado.

Dez sinais de um grupo/líder saudável: 

  1. Um grupo de seguro/líder irá responder às suas perguntas sem julga-lo(a) ou puni-lo(a).
  2. Um grupo de seguro/líder, irá disponibilizar informações financeiras e muitas vezes oferecem uma declaração de uma auditoria independente sobre orçamento e despesas. Grupos e líderes saudáveis irão dizer-lhe mais do que você quer saber.
  3. Um grupo/líder saudável é muitas vezes democrático, compartilhando decisões e incentivando a responsabilidade e supervisão.
  4. Um grupo/líder saudável pode ter antigos seguidores descontentes, mas não irá difamar, excomungar e proibir os outros de associarem com eles.
  5. Um grupo/líder seguro não terá uma folha corrida de registros esmagadoramente negativos, livros, artigos e declarações negativas sobre eles.
  6. Um grupo/líder saudável irá incentivar a comunicação familiar, a interação da comunidade e amizades já existentes e não se sentirá ameaçado.
  7. Um grupo/líder saudável vai reconhecer os limites ​​e limitações razoáveis ao lidar com os outros.
  8. Um grupo/líder saudável irá incentivar o pensamento crítico, a autonomia individual e sentimentos de auto-estima.
  9.  Um grupo/líder saudável admitem falhas e erros e aceitam as críticas e conselhos construtivos.
  10. Um grupo/líder saudável não será a única fonte de conhecimento e aprendizagem excluindo todos os outros, mas o incentivará o diálogo e a livre troca de idéias. 

Não seja ingênuo, desconfie sempre de algo que é muito novo, de alguém que fundou "um ramo budista", uma nova "escola", que "resgatou ensinamentos do passado", sempre vai ter algo por trás. Seu melhor amigo nessas horas é o GOOGLE, entre, pesquise, vasculhe!  Cuidado!

10 de maio de 2012

Dia do Nascimento de Buddha - Data Nacional e Oficial

Com grande alegria comunico que a partir deste ano o Segundo Domingo de Maio passa a fazer parte do calendário nacional como o Dia do Nascimento de Buddha com possibilidade de comemorações em todo território nacional.


Matéria sugerida pelo deputado federal William Woo, foi promulgada pela presidente Dilma Roussef e publicada no Diario Oficial da Uniao.  Deputado Woo de familia budista e ligado ao Fo Kwan Shan e Templo Zu Lai, já havia aprovado matéria semelhante em ambito estadual em São Paulo, quando deputado deste estado.


Um dia histórico para nós budistas brasileiros.

Clique aqui para ver o decreto publicado no D.O.U

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8 de maio de 2012

Materialismo Espiritual Vergonhoso

Ontem mesmo havia lido esta matéria no Estado de São Paulo sobre o exemplo de compaixão que os estrangeiros andam dando na China., segundo a reportagem, país este cujos habitantes não ligam para os problemas alheios, esquivando-se do auxílio de desamparados nas ruas ou em situações de emergência.

Pois bem, nosso país não está nem um pouco longe disso e vivi isso na pele hoje.  Indo trabalhar vejo um rapaz demaiado na calçada. Bem vestido, de calça jeans nova, tenis de marca, camisa pólo. As 10 horas da manhã.  Claro que havia um problema ali e na calçada de uma rua movimentadíssima, caminho de muitos executivos para seus escritórios e mães levando crianças para a escola. Pela posição do rapaz, deveria estar ali há algum tempo e absolutamente ninguém parou para acudi-lo!!!!

Parei o carro imediatamente, desci e fui tomar o pulso do rapaz, completamente desacordado, pulso fraco, não respondeu a nenhum estímulo. Então vi uma moto da polícia, a qual parei e relatei o que tinha visto e chamamos uma ambulância.  Neste instante então param outros para ver, para dar palpite e os 3 homens em um bar em frente então vem dizer que "não sabiam o que fazer". "Chamaram uma ambulancia?", se fizeram de desententidos.

Passados uns 10 minutos, o rapaz esboça reação. Responde minhas perguntas com a cabeça, desperta aos poucos. Claramente, tinha problemas mentais e era mudo, não conseguia se comunicar direito e não conseguia explicar o que tinha acontecido. No máximo 21 anos. Devia morar por ali e teve um mal subito, poderia ter aberto a cabeça e sangrado até morrer, ou se atravessava a rua, poderia ter morrido atropelado.

E quem parou? Ninguém!!!!! NIN-GUÉM!!!!!! Quantos carros na frente do meu passaram ali 10 minutos antes de mim? 40? 50? E ninguém tem a decência de acudir um semelhante? Quantos dessas no mínimo 150 pessoas que passaram por este coitado se gabam de ter um caminho espiritual em seus domingos de cânticos e desejos de paz?

Amigos, nossa espiritualidade não estão nos templos, não estão nas nossas preces, mantras, meditação ou recitações do nome de Buddha.... nossa espiritualidade não está no estudo dos sutras, bíblias ou textos sagrados... nossa espiritualidade não está no dana, nas doações, ou na pose de samaritano nas creches e asilos... nossa espiritualidade não está na invocação de um deus, nem na conversão de outrém ou na salvação alheia....

NOSSA ESPIRITUALIDADE ESTÁ NA COMPAIXÃO COM O PRÓXIMO! ALI, TÃO SIMPLES QUANTO ESTENDER A MÃO PARA QUEM CAI! TÃO SIMPLES QUANTO ACUDIR UM IRMÃO.

Por todos os Buddhas e Bodhisatvas de todas as eras e direções, onde estamos? Somos todos materialistas espirituais imbecis que não damos a mínima aos problemas alheios em prol dos nossos próprios, mas estamos nos templos e centros de Dharma recitando sutras, sadhanas e mantras... ora, ora, ora...

Desculpem o desabafo, mas foi um dia de indignação....

Deixo aqui um conto Zen para que reflitamos....

"Dois monges caminhando por uma estrada avistam um escopião se afogando em um poça d'água. Um dos monges se agacha e retira o escorpião da poça, tomando uma ferroada.  O escorpião então volta para a poça e passa a se afogar novamente. Então, novamente o monge o retira e o coloca mais longe, não sem antes tomar outra ferroada que lhe provocava uma dor lascinante. Sem esperar, o escorpião volta para a poça e incessante o monge o retira novamente e leva para um terreno seco, sem chance de retorno. Com isso tomou mais algumas ferroadas deixando sua mão inchada e uma dor incrível o dominou. Desesperado o outro monge corre ao encontro do seu parceiro, perguntando: "Por que continua tentando salvar este animal sabendo que ele vai voltar para a poça e ainda irá lhe ferroar toda vez?".  Diante disso o monge se contorcendo de dor responde: "Caro amigo, a essência do escorpião é ferroar quando se sente ameaçado. A minha essência é salvar todos os seres!"

Namo Amida Butsu!

7 de maio de 2012

Pessach e Budismo

Com muito atraso, venho aqui narrar brevemente um evento no qual participei que me marcou muito: meu primeiro pessach judaico!

A princípio pode parecer estranho um "budista militante" como eu, declarar isso, mas é fato que há muito anos tinha curiosidade de participar desta celebração.  Sempre gostei de estudar religiões e a judaica me chama muito a atenção pela quantidade de simbolismos e algumas fortes semelhanças com o Budismo.

Neste ano uma amiga nos convidou para a festa.  Nada mais que a festa mais familiar que o judaísmo comemora e uma das mais fortes em sua tradição por justamente recontar em uma noite a afirmação definitiva do "povo de Israel" como unidade, como uma tribo e futuramente um país.

Durante a celebração, que é especialmente ajustada para que as crianças participem e entendam suas origens, as várias passagens citadas na Torah sobre a saída dos judeus do Egito é narrada e representada pelas comidas servidas.

Por ter sido o único homem adulto na celebração caseira, ficou a meu cargo a condução da cerimônia, como dita a tradição hebraica, o que fiz com orgulho e posso dizer que em muitos momentos, com os olhos cheios d'água e a voz embargada.  Seguir o simbolismo dos alimentos, a narração dos acontecimentos, a pequena aula de Torah que se prepara para as crianças e por fim o convite à vida e à liberdade que se encerra foi um momento que ficará marcado em todos.

O que mais me tocou é que o judaísmo é muito mais que uma simples religião, é algo de DNA que está no sangue daqueles que o seguem e ao mesmo tempo, uma religião tradicional que preza pelo respeito e pela compaixão.

O simbolismo nos remete ao simbolismo do Budismo, onde cada objeto e posição do mesmo tem um sginificado, bem como as cores e os alimentos.  Símbolos este que sempre fazem nos lembrar da condição humana, dos sofrimentos, das alegrias, da superação dos obstáculos, da purificação do mundano para o metafísico.

No fim, entendi cada vez mais a frase de Sua Santidade, o Dalai Lama: "O mundo não precisa de mais budistas, precisa de mais Budas, venham da religião que for!" e acho que essa é a essência dos verdadeiros budistas: não vilipendiar as doutrinas alheias e buscar a união e a paz entre todas elas.

Desta forma, cada vez mais quando vejo alguém dizendo que é "dono do Verdadeiro Budismo" e tenta denegrir tradições seculares do Budismo com ensejos financeiros e espúrios, ou mesmo, criticar as demais religiões tradicionais de maneira proselitista para angariar adeptos financistas para sua causa brancaleônica, a vontade que tenho é de simplesmente contemplar a ação e esperar o karma agir, porque a volta dessas ações, no meu ver, serão arrasadoras.

Assim, amigos budistas e não-budistas deixo com vcs algumas palavras do monge Rennyo Shonin em sua Epístola 14 chamada de "Não Vilipendiar as Doutrinas Alheias" que embora tenha sido escrita falando das diversas escolas Budistas de sua época, pode e deve ser ampliada para as demais religiões.  E quando tiverem chance, conheçam outras tradições religiosas, cada uma delas tem seus Budas. Namo Amida Butsu!

Em suma, entre os praticantes do Nenbutsu de nossa Escola, há que não vilipendiar as doutrinas alheias. Em primeiro lugar, considerando as Províncias de Etchû e Kaga, temos Shirayama, Tateyama e outros tantos templos nas montanhas. Já em Echizen, temos os Templos Heizen, Toyowara e outros. Assim, já no Grande Sutra da Vida Imensurável existe uma advertência contra isso: São excluídos apenas os culpados das Cinco Faltas Capitais (1) e aqueles que vilipendiam o Correto Dharma. Isso nos revela que os praticantes do Nenbutsu não devem vilipendiar as demais doutrinas. Além disso, também os sábios das diferentes escolas do Caminho dos Ascetas advertem que de maneira alguma se deve vilipendiar os praticantes do Nenbutsu. São muitas as provas textuais encontradas nos Sutras e nos Comentários. Temos, em primeiro lugar, a severa advertência que o Bodhisattva Nagarjuna, Patriarca das Oito Escolas (2), nos faz no Tratado da Grande Perfeição da Sabedoria. Assim diz o texto: Mesmo o praticante que observa os Preceitos não escapará das penas infernais se, por amor a seu próprio Dharma, vilipendiar as doutrinas alheias. Tais determinações tão claras se fundamentam no fato de que todas as doutrinas foram pregadas pelo Buda. Não vamos incorrer no erro de vilipendiá-las. Todas são escolas válidas, o que ocorre é que apenas não recorremos a elas. É, pois, extremamente lamentável que, em nossa linhagem, pessoas sem discernimento aviltem as demais escolas. Os monges líderes de templos que incorram nessa falta, certamente deverão ser punidos. Salve! Salve!
9º mês do 5º ano da Era Bunmei (1473)
Epístolas de Rennyo, I, 14
 [1] As chamadas Cinco Faltas Capitais são as seguintes: 1 - matar o pai; 2 – matar a mãe; 3 – matar um Mestre; 4 – perturbar a harmonia da Comunidade Budista; 5 – derramar o sangue de um Buddha.